Na década de 80 quando foram introduzidas as opções no mercado Brasileiro, as ações escolhidas foram Petrobrás em S. Paulo e Vale do Rio Doce no Rio.
As duas Bolsas funcionavam de maneira autônoma, e as corretoras de uma praça tinham correspondentes na outra, para poderem operar simultaneamente.
Foi uma década de inflação brutal, tendo chegado a 80% ao mês em 1989. São quase 3% ao dia. Era preciso ser rápido em tudo tratando-se de aplicações financeiras.
Nas Bolsas não era diferente. Se um papel subisse 1,5% num dia, ainda ficava devendo outra metade.
Ações eram consideradas ativo real, principalmente as exportadoras, e eram mantidas em carteira como proteção contra a inflação galopante.
Imaginem como oscilavam as opções!
Hoje em dia variações de 30% numa opção são consideradas expressivas. Nesse período aconteciam variações de 400% pra cima.
Não era nem mais fácil nem difícil operar opções. O resultado não era melhor nem pior que hoje. Era mais rápido! Se era pra baixo, as vendas eram realizadas e zeradas em poucos pregões.
Logicamente as compras idem, em caso de alta. Imaginem os juros embutidos em cada série! Me lembro que já na década de 90, logo depois do plano Collor quando a inflação voltou, havia opções em Usiminas, que era só vender, esperar 4 ou 5 dias, zerar, e lançar outra.
Nesse aspecto, confesso que era fácil.
Mas, vamos ao que interessa, e neste caso são as opções da Vale do Rio Doce.
É claro, que mesmo com inflação alta, não eram exercidas todas as séries abertas, até porque não funcionaria.
Por isso existiam muitas series que mal começavam viravam pó, e outras em determinadas circunstancias valorizavam 1.000% em alguns pregões. Como eu disse, tudo muito rápido!
O nosso personagem é real e ainda hoje opera no mercado, por isso muitos que estão lendo esta página lembram-se do episódio, pelo menos.
As opções da Vale tinham uma característica interessante. Como eram negociadas no Rio, foram logo ganhando apelido. Claro que era para facilitar as transações por telefone.
Ganharam nomes de bichos ou nomes femininos, de acordo com as iniciais. Tínhamos então Alice, Burro, Cavalo, Diva, Ernesto (esse era gay) Jacaré, Kibon, e por ai vai. A série que vamos tratar é a Maria. Pela distancia no alfabeto dá pra perceber que é uma opção com Strike alto.
Rolavam os pregoes, sobe daqui vende dali, compra, zera, estopa, trava daqui, swap de lá e o nosso herói resolve apostar na venda descoberta da Maria.
Faltavam 10 pregoes para o exercício e ele vendeu 10 milhões a 1,00 cruzeiro.Subiu um pouco e ele convicto vendeu mais 10, afinal tinham margem para bancar que não acabava mais (Petrobrás á vista).
Essa venda foi a 1,30. Mercado caia para 0,90, o rapaz com medo que virasse pó naquele dia e não desse pra vender mais, enfiou mais 20 milhões no 0,89.
Terminou o pregão, tudo dentro da maior normalidade, margens com folga para atender 50 vezes a quantidade em aberto, e tudo bem.
Dia seguinte, mesma balada, sobe um pouco, vai no 1,50 e ele que não era bobo nem nada vende mais15 milhões para “melhorar o preço médio”. Tranqüilo, frio com nitrogênio nas veias, termina o pregão, mesmo ritual e mais uma nota com credito.
Quarta feira, mercado começa comprador, com o Alfredão (Grunser) comprando pra valer e subindo. No 4,00 ele vende mais 5 milhões. Claro, está subindo, vamos acompanhando o mercado, pensava e dizia ele.
Quando bateu 6,00 ele ficou com raiva e enfiou com vontade 10 milhões.
Dizia, pensam que sou trouxa, estão puxando para os vendidos zerarem. Se eu zerar agora, cai 1 minuto depois e eu fico com cara de babaca.
Assim, terminado o pregão, tudo em ordem, vamos embora.
Quinta feira, o mercado balança, faz que cai mas não cai e o nosso herói só olhando. Se cai, vende mais, se sobe também. Na situação dele não é fácil decidir. Bateu 18,00 3 vezes e voltou para os 8.
Estava pedindo pra vender não é mesmo! Estava na iminência de virar pó, como na maioria das vezes. Pra que perder essa chance de fazer um precinho melhor. Resistiu. Mas não zerou é claro. Continuou vendido.
Na sexta feira o mercado já abriu rasgando para cima. No 14,00 ele vendeu 5 milhões, já meio desconfiado. Mas tinha que faze-lo, segundo ele seu preço médio tinha que acompanhar, era o Naji fazendo escola já.
Termina a semana, o nosso companheiro já um tanto desgastado, pois 5 pregões é muito tempo para manter uma posição perdedora, mas gelo nas veias é para isso mesmo.
Margem continuava sobrando, então vai zerar com prejuízo? E ainda ficar com cara de babaca? Não senhor, de jeito nenhum.
Começa a semana com o mercado parado, variando pouco, 20,00 com 22,00; 18,00 com 20,00 e ele lá, só acompanhando, telefone na orelha (LP) com o operador da correspondente no Rio, até que de repente, começa a subir o raio da Maria.
Comprador a 25. Pagaram 28. Pagão a 30 sem venda. E agora, está terminando o pregão 32,00 eu não pago mesmo, dizia ele, “estão a fim de me roubar” já praguejava o coitado. Mas não zerou.
Vendeu mais no comprador, 3 milhões para acabar com a alegria do trouxa lá do outro lado. Terminado o pregão, preço médio lá embaixo, margem ainda sobrando,o suor escorrendo, as mãos um pouco tremulas, 3 maços fumados, mas vamos para casa. Naquela noite o Nosso Homem do Gelo, pouco dormiu, se dormiu.
O pregão de terça começa caindo, algumas noticias derrubando a bolsa e a Maria chega a ficar vendedor a 22,00.
Era o sinal dos céus que faltava. Não falei, grita o operador quase sem fôlego. Eu sabia que ia para o pó, repetia eufórico.
Comprador só a 14,00 avisa do outro lado da Dutra o intermediário.
Sabe de uma coisa, depois de tanto sofrimento, ainda estou perdendo, agora é pra rasgar. Enfia 100 no comprador. Só a 8,00 respondeu o intermediário. É pra enfiar a mercado.
Eu disse A M E R C A D O !!!!
E foi a 8,00 a ultima venda do Incrível Homem do Gelo!
Margem ainda dava apesar da quantidade assustadora vendida, mas com certeza amanha eu zero ou então deixo virar pó, disse.
É bem verdade que nesse dia a Maria fechou a 22,00 comprador. Mas isso é detalhe, afinal não ia ser agora que nosso herói iria esmorecer.
Quarta-feira chuvosa. Dia perfeito para uma queda boa na bolsa, só que no Rio estava um sol dos diabos! Céu azul, limpinho dizia o intermediário, antes de começar o pregão.
Tinha jogão do Mengo à noite, o intermediário comentava a respeito, que iria ao Maracanã com os colegas da corretora, enfim falavam de amenidades, sem sequer imaginar o que viria pela frente.
Começa o pregão, e como de costume mercado quieto. A espreita!
Bastaram 15 minutos para começar o pesadelo. Comprador a 25,00 vendedor só no 30,00. Tomaram do vendedor. Não tem venda.
“Como não tem venda?!?!?! Canta esse negocio direito, pô. Fica pensando no jogo e não presta atenção, gritava o já descontrolado vendido. Num tem venda, to falando! Responde o assustado auxiliar carioca".
Nisso houve-se um grito metálico e gelado do pobre coitado, já branco, suando e em pé, sem os sapatos:
"OQUE???? 50,00 comprador sem venda. Não é possível! É sacanagem! Mas eu não zero mesmo! Que se dane podem puxar pra 100,00 que eu não zero de jeito nenhum!"
Negócios saindo a 50,00 tentou transmitir o auxiliar, mas o homem não deve nem ter ouvido. Saiu mais a 50,00 disse 10 minutos depois.
Meia hora depois a mesma canção 50,00 saindo! Só que falava sozinho o nosso flamenguista. O telefone estava sobre a mesa, e a voz sendo ouvida a distancia por quem estivesse interessado.
A essa altura, já havia sido convocada uma reunião entre o gerente, o diretor e o nosso herói para uma tomada de decisão. Estava em vigor a chamada “prensa”.
A decisão era irrevogável. Tinha que zerar, pois a margem não seria suficiente para o dia seguinte. Mas como! Ainda tentou argumentar, já com a voz de alguém bastante deprimido.
“Eu sei que vou zerar e vai cair na minha cara!" Balbuciava o desafortunado.
Pega o telefone, e pergunta para o narrador solitário a quanto estava a Maria, apesar de saber que estava saindo a 70,00 pelo monitor a sua frente. Mas podia estar errado, e na duvida teve coragem de perguntar.
Saindo a 70,00 respondeu o rapaz.
Passada a ordem, tudo zerado no médio de 71,00, mas para surpresa do vendido o mercado fecha assim mesmo, a 75,00. Bom pelo menos mantive minha auto estima. Ta certo que perdi US$ 750,000.00 dólares americanos, mas não caiu na minha cara!
Bom, verdade seja dita, não caiu mesmo, na cara dele. Na quinta feira fechou a 6,50 para virar pó na sexta, véspera do exercício.
OBS: ESTA É UMA HISTORIA VERDADEIRA!
OS VALORES SÃO REAIS.
AS QUANTIDADES CITADAS, EXATAS.