"No começo, era só adrenalina e vontade de ganhar dinheiro. Depois, era adrenalina e vontade de recuperar o dinheiro. Aí, você se afunda mais e mais." Tiago, nome fictício, de 30 anos, descreve as sensações de quem pulou de jogador ocasional para compulsivo. Recém-separado, ele buscou satisfação em casas de bingo, primeiro na hora do almoço, depois por dias seguidos, até gastar mais dinheiro do que ganhava. Foram cinco anos de vício e muitas dívidas. Tão ruim quanto a compulsão foi o caminho da saída. "Era muita agonia, depressão. Por um lado, sentia a felicidade de não jogar todo dia. Por outro, era um baque."
Esse baque, ou fissura, a vontade incontrolável de voltar para o jogo a qualquer preço - muitas vezes, o custo é a própria vida do viciado -, foi medido pelo pesquisador brasileiro Hermano Tavares. O resultado assusta. A aflição do jogador compulsivo é maior do que a do alcoólatra, apesar de este vício ser químico e aquele não. Para Tavares, é evidência do pouco que se sabe sobre a doença e um alerta de que médicos, parentes e governo precisam estar atentos. "Vamos levar a sério o problema do jogo. É uma dependência não química, então algumas estratégias usadas para tratar o vício pelo álcool podem ser usadas para tratar jogadores - mas não todas", diz o médico, coordenador do Ambulatório do Jogo Compulsivo (Amjo) no Hospital das Clínicas de São Paulo.
O estudo foi realizado no Canadá, na Universidade de Calgary, como parte do pós-doutorado obtido por Tavares. Ele comparou o nível de fissura de dois grupos medido por um questionário padrão. De 90 pontos (que significa uma recaída), alcoólatras marcaram em média 35 e jogadores, 49, nos primeiros 20 dias de terapia. Os resultados foram publicados em agosto na revista especializada Alcoholism: Clinical & Experimental Research. Uma das explicações para a diferença parece estar no perfil de personalidade do viciado, uma vez que os dois tipos não têm a mesma raiz e são, aparentemente, regidos por sistemas mentais separados. Quem busca o álcool tem uma propensão a emoções negativas, como angústia e culpa, enquanto o compulsivo por jogo busca emoções positivas, como estímulos, prazer e necessidade de se sentir superior, além de compensar a depressão.
Compensação
"Quer saber? Quem joga quer sempre estar por cima. Mesmo quando está no fundo no poço, não demonstra", diz, com voz firme, Caetano, de 60 anos recém-completados. Em São Paulo, ele freqüenta religiosamente as reuniões de grupo de Jogadores Anônimos (JA) há um ano e dois meses, depois de quase cinco anos de vício em máquinas caça-níquel. Perdeu todas as economias, o carro dele e o da mulher, quase a perdeu também, contraiu dívidas e só parou com ajuda da família e do grupo. A satisfação e a competitividade que procurava no vício ele descarrega hoje nos esportes: "Sou capaz de fazer 30 flexões aqui, agora", afirma, apontando para o chão da sala onde as reuniões são realizadas. "Antes, quando ficava com raiva, corria para a máquina. Hoje, corro para a academia."
Exercícios físicos, socialização e atividades intelectuais são indicados por Tavares como alternativas que ajudam o viciado a passar pela fissura sem recaídas, além dos encontros do JA e psicoterapia, muitas vezes com o consumo de remédios. O que o jogador precisa encontrar na fase de recuperação, afirma ele, é um alívio rápido de suas ansiedades, com estímulo de qualidade. Não é trocar seis por meia dúzia (ou um vício por outro), mas buscar métodos mais saudáveis para compensar as emoções que sente. "Se o paciente vive um desequilíbrio emocional com pseudo-soluções, conduzimos sua busca por outras soluções, não por um único substituto e sem proximidade com a dependência."
Manter a distância do vício é um dos passos mais difíceis na recuperação de um jogador compulsivo. A proliferação de casas de bingo e máquinas caça-níqueis na cidade faz que 120 pessoas por ano busquem ajuda no laboratório do Hospital das Clínicas. A taxa é insignificante quando se considera a porção calculada da população que sofre com a compulsão por jogo. Estudos realizados em grandes centros urbanos indicam uma média de 2% dos habitantes com o problema, além de mais 2% com propensão ao vício.
Ainda não existem estudos no Brasil, mas uma equipe do Amjo finaliza uma análise populacional da Grande São Paulo ainda neste ano. Se o índice se confirmar, isso significa que, de cerca de 17 milhões de habitantes, 340 mil são viciados em jogo e a mesma quantidade pode se tornar, se não tiver a devida atenção. Se os parentes forem postos na conta, chega-se a quase 1 milhão de pessoas afetadas. Outro agravante é o perfil social do viciado. Ao contrário do que se pensa, a maioria é do sexo masculino, casada, com filhos e em idade produtiva. Tavares acredita que o governo precisa tomar atitudes mais enérgicas para controlar o problema, que teria aumentado "exponencialmente" desde a legalização dos bingos. "Dizer que o jogo é proibido no Brasil é falácia."
Cristina Amorim
Estado
2 comentários:
"Para Tavares, é evidência do pouco que se sabe sobre a doença e um alerta de que médicos, parentes e governo precisam estar atentos."
Até parece que o governo vai se preocupar com isso. Incentivando o êxodo da poupança para a renda variável como estão, talvez até incentivem o vício!
vixe... é hoje q o mundo acaba....
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